O sono é um fenômeno universal e essencial para a vida humana, ocupando em média de 20 a 40% das nossas rotinas diárias. Além do mais, nós passamos quase um terço de nossas vidas dormindo, portanto, parte fundamental de nossas atividades. Estudos mostram que existem vários fatores que influenciam uma boa noite de sono, desde circunstâncias individuais, como elementos genéticos, psicológicos e comportamentais, até aspectos sociais, como o avanço da tecnologia e o ritmo frenético das grandes metrópoles. Tudo isto reforça a complexidade do sono e como este comportamento pode sofrer ajustes e mudanças através de nossos hábitos e preferências.
Essa nossa vida moderna exige um contínuo processo de aprendizagem, atenção e concentração, todas estas funções intimamente relacionadas a uma boa noite de descanso. Sabemos que o sono é um comportamento adaptativo indispensável, que nos permitiu sobreviver ao meio ambiente. A sua importância tem raízes evolutivas, desde evidências pré-históricas, quando caçávamos na luz do dia e recuávamos ao entardecer, para garantir a exploração de recursos e maior segurança à comunidade.
Atualmente, as pessoas dormem, em média, 90 minutos a menos do que dormiam no século passado. Isto é reflexo, em parte, dos nossos hábitos de vida adquiridos ao longo dos anos. Diante de tantas atividades a serem realizadas no dia-a-dia, priorizar o tempo de sono pode soar como um grande desafio para algumas pessoas. Esta realidade, infelizmente, pode levar a uma constante insatisfação, inclusive, na qualidade de vida. Não podemos, diante disso, subestimar o impacto da privação de sono em nossas vidas.
A razão pela qual nós dormimos é para que o nosso corpo e mente estejam diariamente em sintonia, permitindo o bom funcionamento de várias funções do corpo. Qualquer desajuste na qualidade ou quantidade de sono pode provocar um desbalanço em nossas atividades, sejam elas sociais, profissionais, educacionais ou comportamentais, com prejuízos em curto e longo prazo. Isto traz repercussões que podem afetar, de forma geral, várias condições de nossa saúde global, com efeitos em nosso funcionamento global, que incluem os sistemas cardiovascular, metabólico, mental e imunológico.
Tenha em mente um ponto muito importante: a diferença entre quantidade e qualidade de sono! Não apenas a quantidade de horas que passamos dormindo é importante para a saúde global, como também é essencial ficar atento em como anda a qualidade da sua noite.
Conseguimos determinar facilmente o total de horas de sono por noite, sendo 7 horas a média mínima recomendada para adultos jovens, segundo a Academia Americana de Medicina do Sono. Sabemos que existe uma variação entre as pessoas sobre esta necessidade diária, já que algumas precisam de mais ou menos horas para se sentirem bem-dispostas na manhã seguinte. Isso irá definir a qualidade de seu sono e, assim, o quão revigorado você se sente após o despertar.
É preciso prestar atenção igualmente em alguns aspectos da sua noite de sono, que irão trazer à tona alguns possíveis problemas relacionados a ele. Não é esperado ter dificuldade para dormir, ter um sono fragmentado, acordar antes da hora programada, roncar durante o sono ou ter um sono agitado, por exemplo. Caso você tenha identificado algum desses elementos, fique tranquilo e procure o seu médico especialista em sono que poderá te ajudar a encontrar uma solução.
Percebemos os efeitos desta falta de sono nas atividades do dia-a-dia, sendo que um sono de má qualidade pode provocar muitos sintomas adversos como sonolência diurna, cansaço físico e mental, dificuldade na concentração, confusão mental, prejuízo na memória e cognição e redução na performance física. Precisamos, mais do que nunca, tranquilizar essas nossas inquietações, reforçando que uma noite bem dormida ou de qualidade é o caminho.
É possível avaliar este impacto da privação de sono em várias outras funções do organismo, como o seu efeito hormonal e metabólico, pelo aumento do apetite e perda de massa corporal, através das substâncias grelina, leptina e hipocretina. Estudos mostraram ainda um risco aumentado de diabetes após noites mal dormidas.
Por outro lado, a experiência de uma noite agradável traz vários benefícios ao metabolismo! Um deles é o controle da produção de vários hormônios como, por exemplo, o aumento da prolactina, GH (hormônio do crescimento) e testosterona, e redução dos níveis de cortisol, hormônio do estresse, no começo da noite. Além desta imprescindível função endócrina, o sono exerce um papel importante no funcionamento de nosso sistema imunológico, sendo que a privação crônica de sono pode levar a um risco aumentado de infecções respiratórias. Por isso, é fundamental conciliar nosso tempo a favor do sono!
Outra importante função do sono é garantir a conservação de nossa energia e, portanto, melhorar a performance nas atividades diárias, sejam elas físicas ou mentais. Além disso, uma noite bem dormida fortalece novas memórias e pode resgatar lembranças perdidas, ajudando na resolução de problemas e consolidação do aprendizado.
É conhecida a relação do sono com muitas doenças sistêmicas e neuropsiquiátricas e como o manejo do sono auxilia, por exemplo, no tratamento do transtorno de ansiedade e depressão. Um sono reparador pode, da mesma forma, melhorar a dor em muitas pessoas que apresentam fibromialgia e dor crônica. Nesses casos, devemos enxergar o sono como uma entidade única, o que demanda uma terapia individualizada, trazendo benefícios para a saúde do indivíduo em sua totalidade.
Como visto até agora, o sono tem um papel crucial no controle de nosso equilíbrio físico e mental, nos ajudando a passar pelas dificuldades inerentes da vida. É durante a noite que conseguimos sonhar e, assim, temos a oportunidade diária de processar nossas emoções e vivências do dia-a-dia, melhorar nosso pensamento criativo e reverter muitas recordações ruins que inevitavelmente acontecem durante o dia. Possui participação direta na regeneração do estresse diário, nos permitindo vivenciar as situações com mais tranquilidade.
Podemos encontrar algumas razões que explicam a insatisfação com o sono como, por exemplo, hábitos de sono ruins, estresse diário, ansiedade generalizada, doenças crônicas comórbidas, apneia obstrutiva do sono e outros possíveis distúrbios do sono não diagnosticados. Este cenário pode levar a sérios problemas crônicos de saúde e, é claro, que precisamos sair dessa situação com muita saúde e equilíbrio. Enfim, temos a Medicina do Sono, que é uma área dedicada a cuidar desse aspecto tão fundamental em nossas vidas.
A Medicina do Sono estuda esse tema interessante e abrangente, avaliando uma grande variedade de distúrbios como a insônia, os distúrbios de ritmo circadiano, os distúrbios respiratórios obstrutivos do sono, as hipersonias, os distúrbios do movimento, cada qual com suas características e tratamentos específicos. A incidência desses distúrbios vem aumentando com o estresse, a privação de sono, o ganho de peso e o envelhecimento, tornando o seu controle fundamental neste processo. Isso ocorre através de uma equipe multidisciplinar formada por médicos de diferentes especialidades como otorrinolaringologistas, neurologistas, psiquiatras, pneumologistas, pediatras e clínicos gerais, além de fisioterapeutas, psicólogos, fonoaudiólogos e odontólogos. O conhecimento e especialização na área são essenciais na formação desses profissionais.
Diante dos grandes desafios que enfrentamos no dia-a-dia, é preciso confiar no que está por vir, nos colocando em ação de nossos próprios comportamentos. Gosto de pensar que este recomeço diário, repleto de possibilidades e expectativas, começa não apenas quando o dia amanhece, mas, principalmente, quando vamos nos deitar. Desejo a você, um bom recomeço e uma boa noite.
Ana Paula Assunção Cecilio
Otorrinolaringologista (FMABC) e Especialista em Medicina do Sono (HC-FMUSP)
Médica Voluntária do Serviço de Medicina do Sono do Instituto de Psiquiatria (HC-FMUSP)
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